Actividade mais relevante - Avaliação numa perspectiva formativa

Se partirmos do princípio que o principal propósito da avaliação é melhorar a aprendizagem e ajudar os alunos a superarem as suas dificuldades, colocaremos certamente a ênfase na avaliação formativa, a qual tem como objectivo melhorar e regular, sistemática e deliberadamente, o ensino e a aprendizagem. É por essa razão que apresento como mais relevante a actividade "Avaliação numa perspectiva formativa" e passo a fundamentar.

Avaliação Formativa
Não havendo um significado único e consensual de avaliação formativa, podemos considerar como avaliação formativa todas as actividades desenvolvidas pelos professores e/ou pelos alunos que fornecem informação a ser usada como feedback para modificar as actividades de ensino e de aprendizagem.
Abrecht (1991), reconhecendo que não existe uma teoria unificadora sobre avaliação formativa apresenta um conjunto de pontos convergentes que encontra nessas definições, nomeadamente que a avaliação formativa:
§   se dirige ao aluno,
§  procura uma consciencialização por parte do aluno sobre a sua aprendizagem;
§  é parte constitutiva da aprendizagem;
§  procura uma adaptação a uma situação individual, devendo assim respeitar a
pluralidade e a diversidade;
§  o seu enfoque é tanto sobre os resultados como sobre os processos;
§  não se limita à observação, mas requer uma acção, uma intervenção sobre a
aprendizagem e/ou sobre o ensino;
§  procura as razões que dão sentido às dificuldades ao contrário de as sancionar;
§  se dirige também ao professor para ajudá-lo a orientar a sua prática lectiva.

Bloom recupera o termo criado por Scriven num artigo de 1967, sobre a avaliação de meios de ensino, e usa-o para identificar uma das modalidades de avaliação na sua proposta pedagógica (Bloom, Hastings & Madaus, 1971), conhecida como pedagogia por objectivos. No quadro da pedagogia por objectivos:
§  ensinar significa gerir os tempos e os esforços;
§  aprender significa aproximar-se dos objectivos;
§  as experiências de aprendizagem organizam-se do mais simples para o mais complexo;
§  o professor é o perito e o decisor das estratégias a tomar;
§  o aluno é o executor;
§  a avaliação formativa procura a consecução de objectivos;
§  a avaliação formativa é proactiva (caso da diagnóstica) ou retroactiva;
§  a decisão resultante da avaliação formativa é normalizada e traduz-se por “dar mais do mesmo”.
Nos anos 60 e 70 do século XX ( Scriven, 1967; Bloom, Hastings & Madaus,1971), existia “uma visão mais restritiva, muito centrada em objetivos comportamentais e nos resultados obtidos pelos alunos, pouco interativa e, por isso, normalmente realizada após um dado período de ensino e de aprendizagem”. (Fernandes, 2006,  pp. 22-23).
Mais recentemente (Earl, 2003; Harlen & James, 1997; Sadler, 1998; Torrance & Prior,2001.) aquela concepção de avaliação formativa alterou-se tornando-se “uma avaliação bem mais complexa e, num certo sentido, mais sofisticada, ou mais rica, do ponto de vista teórico. Trata-se de uma avaliação interactiva, centrada nos processos cognitivos dos alunos e associada aos processos de feedback, de regulação, de auto-avaliação e de auto-regulação das aprendizagens.” (Fernandes, 2006,  p. 22).
Mas também se alteraram os papéis dos vários actores. Enquanto ao professor compete assumir a responsabilidade de construir e propor contextos favoráveis e adequados de aprendizagem e de gerir e orientar o aluno no desenvolvimento de tais contextos, é atribuído ao aluno o papel central esperando-se que vá evoluindo e mudando de forma estável por sua própria acção.
Espera-se, assim, que a avaliação formativa faça o acompanhamento do ensino e aprendizagem, não se preocupando tanto com a correcção do resultado, mas mais com o entendimento dos processos mentais dos alunos, sendo o erro visto como uma fonte poderosa de informação, quer para o professor, quer para o próprio aluno (Santos, 2002).
Da informação recolhida segue-se a sua interpretação, a qual irá originar uma intervenção de natureza reguladora. Esta acção reguladora pode incidir sobre diversos objectos:
ü  sobre a clarificação entre os objectivos de aprendizagem e as tarefas a utilizar;
ü  sobre a explicitação/negociação de critérios de avaliação para uma eficaz apropriação por parte dos alunos;
ü  sobre a sistematização, interpretação e tomada de consciência dos erros cometidos na realização de uma dada tarefa.
Para qualquer um destes propósitos, a definição e a explicitação e/ou a negociação de critérios de avaliação, tanto de realização como de sucesso, são essenciais, determinante de modo que os alunos possam apropriar-se das ferramentas de avaliação dos professores e, dessa forma, passem a dominar as operações de antecipação e de planeamento das acções a desenvolver para obter os produtos esperados.

Fruto da evolução do significado de avaliação formativa, é possível identificar alguns aspectos comuns aos diferentes autores:
§  ensinar significa facilitar, gerir e orientar;
§  aprender significa mudar de forma estável por acção do próprio;
§  as experiências de aprendizagem organizam-se do complexo para o complexo;
§  o professor é interveniente e proponente;
§  o aluno é interveniente;
§  a avaliação formadora procura atingir uma aprendizagem proposta;
§  a avaliação formadora é essencialmente interactiva;
§  a decisão resultante da avaliação formadora é diferenciada.
A partir da avaliação formativa é possível aplicar em sala de aula este processo avaliativo o qual pode ser concretizado na prática lectiva, tal como se sugere no seguinte quadro:

Processos de avaliação reguladora
Possíveis actividades
Questionamento oral
Questionamento professor turma
Questionamento professor aluno
Questionamento aluno/aluno
Escrita avaliativa
Feedback escrito a produções de alunos
Auto-avaliação
Explicitação/negociação de critérios pelo professor
Avaliação desenvolvida pelo próprio
Avaliação desenvolvida por pares
Práticas de avaliação reguladora (Santos, 2002)

Para que a interacção desenvolvida em sala de aula seja realmente reguladora, deve apresentar as seguintes características:
§  ser intencional;
§  ser participada pelos diversos elementos constituintes da comunidade;
§  considerar o erro sem estatuto diferenciado, não se destacando os que erram aqueles que acertam;
§  privilegiar e respeitar diferentes modos de pensar;
§  reconhecer a comunidade turma como campo legítimo de validação ou correcção de raciocínios e processos.
As diferentes interacções permitidas e mesmo incentivadas pelo professor constituem contextos para o desenvolvimento da auto e co-avaliação dos alunos.

E os professores? Como pensam e como agem?
Para muitos professores a avaliação formativa mais presente nas suas práticas será aquela que foi popularizada por Bloom com a sua pedagogia por objectivos e que, apesar de todos os desenvolvimentos dos últimos anos, continua a manter uma assinalável predominância nos sistemas educativos. Este tipo de avaliação formativa pode ocorrer após o desenvolvimento de um domínio do currículo num dado período de tempo, imediatamente antes de um momento de avaliação sumativa formal, sob a forma das chamadas revisões da matéria dada ou de um teste formativo.
Apesar da evolução das práticas pedagógicas, persistem numerosos equívocos entre as práticas e as próprias concepções dos professores. “A investigação mostra que muitos professores têm revelado concepções tais como:
a.       a avaliação formativa e a avaliação sumativa distinguem-se através dos instrumentos utilizados;
b.      a avaliação formativa é subjectiva e a avaliação sumativa é objectiva;
c.       a avaliação formativa é toda e qualquer avaliação que se desenvolve nas salas de aula.” (Fernandes, 2006,  p. 23).
Consequência de numerosos equívocos conceptuais entre avaliação formativa e avaliação sumativa surgiu, a partir dos anos 90 do século XX, a expressão avaliação alternativa a qual tem sido bastante utilizada na literatura e que funciona “como uma espécie de guarda-chuva sob o qual se abriga todo e qualquer processo de avaliação destinado a regular e a melhorar as aprendizagens, focado nos processos, mas sem ignorar os produtos, participado, transparente, que não seja essencialmente baseado em testes de papel e lápis e integrado nos processos de ensino e de aprendizagem” (ibidem, p.24). Contudo, esta designação mostra-se demasiado vaga em numerosos aspectos tais como as interacções professor-aluno ou aluno-aluno, a auto-avaliação, a auto-regulação ou a integração da avaliação nos processos de ensino e aprendizagem.
Apesar da diversidade de designações que podemos encontrar nos diferentes autores eles apontam para uma concepção de avaliação mais orientada para melhorar as aprendizagens do que para as classificar, mais integrada no ensino e na aprendizagem, mais contextualizada e em que os alunos têm um papel relevante a desempenhar em substituição de uma avaliação caracterizada por dar mais ênfase aos processos de classificação, de selecção e de certificação, aos resultados obtidos pelos alunos, à utilização sumativa dos resultados dos testes ou à prestação de contas.
De um modo geral as investigações em avaliação têm revelado várias insuficiências e problemas dos quais Fernandes (2006,  p. 30) destaca:


a.       a convicção, por parte de muitos professores, de que, através dos testes, estão a avaliar aprendizagens profundas, como compreensão, quando a investigação sugere que o que se está realmente a testar são, de modo geral, mais procedimentos rotineiros e algorítmicos e menos competências no domínio da resolução de problemas;
b.      a correcção e a classificação de testes e de quaisquer outras tarefas avaliativas dão, em geral, poucas ou nenhumas orientações aos alunos para melhorar, reforçando as suas baixas expectativas e o baixo nível das aprendizagens;
c.       a tendência para se pensar que a avaliação desenvolvida pelos professores nas salas de aula é de natureza essencialmente formativa, apesar da análise da realidade ter vindo a demonstrar que poucas vezes será efectivamente assim;
d.      a avaliação formativa é por muitos considerada irrealista nos contextos das escolas e das salas de aula e as suas diferenças com a avaliação sumativa e certificativa são cada vez mais ténues;
e.      a confusão entre a avaliação formativa e a avaliação certificativa ou sumativa é um problema que parece indiciar que existirão poucas práticas de avaliação genuinamente formativas e/ou que os professores estão submersos em demasiadas avaliações para responder às exigências de ambas;
f.        a função certificativa e classificativa da avaliação, a atribuição de notas, está claramente sobrevalorizada em detrimento da função destinada a analisar o trabalho dos alunos para identificar necessidades e para melhorar as aprendizagens;
g.       a tendência, particularmente ao nível do ensino básico, para solicitar aos alunos uma quantidade, por vezes exagerada, de trabalhos, descuidando a sua qualidade e a sua relação com o desenvolvimento dos processos mais complexos de pensamento dos alunos;
h.      a tendência para comparar os alunos uns com os outros levando-os a crer que um dos propósitos principais da aprendizagem é a competição em vez do crescimento pessoal.



E como deve passar a ser a avaliação formativa?
Como alternativa aquelas que são as práticas identificadas como as habituais, implementadas pela maioria dos professores, Fernandes (2006,  p. 30) sugere um conjunto de características as quais, de acordo com os resultados da investigação (por exemplo, Black & Wiliam, 1998; Shepard, 2001; Stiggins, 2002, 2004) podem permitir melhorar significativamente as aprendizagens dos alunos. Assim, pretende-se uma avaliação para as aprendizagens, porque tem um papel muito significativo nas formas como os alunos se preparam e organizam activamente para aprender melhor e com mais profundidade:

a.       a avaliação é deliberadamente organizada em estreita relação com um feedback inteligente, diversificado, bem distribuído, frequente e de elevada qualidade;
b.      o feedback é importante para activar os processos cognitivos e metacognitivos dos alunos, que, por sua vez, regulam e controlam os processos de aprendizagem, assim como para melhorar a sua motivação e auto-estima;
c.       a natureza da interacção e da comunicação entre professores e alunos é central porque os professores têm que estabelecer pontes entre o que se considera ser importante aprender e o complexo mundo dos alunos (por exemplo, o que eles são, o que sabem, como pensam, como aprendem, o que sentem e como sentem;
d.      os alunos responsabilizam-se progressivamente pelas suas aprendizagens e têm oportunidades para partilhar o que e como compreenderam;
e.      as tarefas propostas aos alunos são cuidadosamente seleccionadas, representam domínios estruturantes do currículo e activam processos complexos do pensamento (por exemplo, analisar, sintetizar, avaliar, relacionar, integrar, seleccionar;
f.        as tarefas reflectem uma estreita relação entre a didáctica e a avaliação que tem um papel relevante na regulação dos processos de aprendizagem;
g.       o ambiente de avaliação das salas de aula induz uma cultura positiva de sucesso baseada no princípio de que todos os alunos podem aprender.

 “A avaliação que se faz nas salas de aula não é nem uma disciplina exacta, nem uma questão técnica ou uma mera questão de construção e utilização de instrumentos, nem um exercício de encaixar conhecimentos, capacidades, atitudes ou motivações dos alunos numa qualquer categoria com o auxílio de uma qualquer taxonomia. A avaliação é um processo desenvolvido por e com seres humanos para seres humanos, que envolve valores morais e éticos, juízos de valor e problemas de natureza sociocognitiva, sociocultural, antropológica, psicológica e também política. No entanto, também parece que, não sendo matéria exacta, pode e deve basear-se em sólidas e significativas evidências e, neste sentido, não será uma simples questão de convicção, crença ou persuasão.” (ibidem, p.36). E Fernandes prossegue defendendo a necessidade de continuar a investir na concepção e desenvolvimento de estudos empíricos em contextos de sala de aula, de forma a contribuir para a construção de uma teoria da avaliação formativa a qual deverá ter sempre em conta, como aspectos fundamentais:
a.       a compreensão dos processos de desenvolvimento do currículo nas salas de aula e a sua relação com os processos de avaliação;
b.      a compreensão dos papéis de alunos e professores nos processos de ensino, aprendizagem e avaliação;
c.       a compreensão dos contextos, dinâmicas e ambientes de ensino, aprendizagem e avaliação nas salas de aula.

Bibliografia 

Abrecht, R. (1991). L’évaluation formative. Une analyse critique. Bruxelles: De Boeck Université.
Bloom, B.; Hastings, J. & Madaus, G. (1971). Handbook of formative and sumative evaluation of student learning. New York: McGraw-Hill.
Fernandes, D., (2006). Para uma teoria da avaliação formativa in Revista Portuguesa de Educação, 19(2), pp. 21-50
Pinto, J.; Santos, L.(2006). Modelos de Avaliação das Aprendizagens. Lisboa:Universidade Aberta.
Santos, L. (2002). Auto-avaliação regulada: porquê, o quê e como? In P. Abrantes & F. Araújo (Orgs.), Avaliação das Aprendizagens. Das concepções às práticas (pp. 75-84). Lisboa: Ministério da Educação, Departamento do Ensino Básico.
Santos, L., Pinto, J., Rio, F., Pinto, F., Varandas, J., Moreirinha, O., Dias, P., Dias, S., & Bondoso, T. (2010). Avaliar para aprender. Relatos de experiências de sala de aula do pré-escolar ao ensino secundário. Porto: PortoEditora e IEUL.
Wiliam, D. (2009). Assessment for learning: why, what and how?London: Institute of Education, University of London.