Evolução das concepções teóricas da avaliação

Com inspiração nos testes destinados a medir a inteligência e as aptidões surge a primeira geração conhecida como a geração da medida, apoiada na ideia “de que a avaliação era uma questão essencialmente técnica que, através de testes bem construídos, permitia medir com rigor e isenção as aprendizagens escolares dos alunos.” (Fernandes, 2008, p.56).
As concepções que caracterizam esta primeira geração da avaliação têm ainda uma influência considerável em vários sistemas educativos actuais. Uma vez que avaliação e medida são sinónimos,”em termos práticos, de sala de aula, pode significar que a avaliação se reduz a pouco mais do que à administração de um ou mais testes e à atribuição de uma classificação em períodos determinados. Ou seja, uma perspectiva em que:
ü classificar, seleccionar e certificar são as funções da avaliação por excelência;
ü os conhecimentos são o único objecto de avaliação
ü os alunos não participam no processo de avaliação;
ü a avaliação é, em geral, descontextualizada;
ü se privilegia a quantificação de resultados em busca da objectividade, procurando garantir a neutralidade do professor (avaliador);
ü a avaliação é referida a uma norma ou padrão (por exemplo a média) e, por isso, os resultados de cada aluno são comparados com os de outros grupos de alunos.”(ibidem, p.57).

Avaliação como descrição
Com o objectivo de tentar superar algumas limitações da avaliação como medida, nomeadamente o facto de os conhecimentos dos alunos serem considerados os únicos objectos de avaliação, surge a segunda geração com a qual se passaram a formular objectivos comportamentais verificando se os mesmos seriam ou não atingidos pelos alunos. Apesar de persistirem todas as outras características da avaliação da geração anterior “pode talvez falar-se numa função reguladora da avaliação, embora sem a sofisticação teórica e prática que hoje lhe é atribuída, e na preocupação em conceptualizar o currículo de forma abrangente.” (ibidem, p.58).
Pinto e Santos (2006) apontam como principais características deste período:
ü A aprendizagem escolar fica reduzida àquilo que é possível definir-se enquanto objectivos dos programas de cada disciplina;
ü A avaliação, embora permaneça como uma medida, procura agora determinar o afastamento do desempenho a cada objectivo;
ü Define-se um novo referencial, os objectivos, e o foco são tanto os processos, desenvolvimento e gestão de um programa, como os produtos finais, isto é, o desempenho dos alunos;
ü Existem duas funções distintas da avaliação: uma de natureza social e outra de dimensão pedagógica.” (p. 26)

Avaliação como juízo de valor
Apesar de terem pouca expressão nas salas de aula e nas escolas, as ideias da terceira geração da avaliação existiam fundamentalmente ao nível de recomendações decorrentes de elaborações teóricas em que se evidenciavam a complexidade dos processos de ensino e de aprendizagem e a necessidade de encontrar uma avaliação que fosse congruente com essa mesma complexidade. Ideias surgidas com a avaliação como juízo de valor também designada por avaliação como apreciação do mérito:
ü A avaliação deve induzir e/ou facilitar a tomada de decisões que regulem o ensino e as aprendizagens;
ü A recolha de informação deve ir para além dos resultados que os alunos obtêm nos testes;
ü A avaliação tem de envolver os professores, os pais, os alunos e outros intervenientes;
ü Os contextos de ensino e de aprendizagem devem ser tidos em conta no processo de avaliação;
ü A definição de critérios é essencial para que se possa apreciar o mérito e o valor de um dado objecto de avaliação

“Em termos práticos pode dizer-se que estas três gerações de avaliação, cujas concepções parecem continuar a prevalecer, com maior ou menor expressão, nos sistemas educativos, estão dependentes de modelos teóricos que se adequam com mais dificuldade aos currículos actuais, às novas visões acerca das aprendizagens e às exigências de democratização efectiva de sistemas complexos e cultural e socialmente tão diversos. No caso concreto do sistema educativo português, são bem evidentes dificuldades que podem estar relacionadas com a predominância daquelas concepções de avaliação, bem mais orientadas para as classificações e para a certificação do que para a orientação, para a regulação e para a melhoria das aprendizagens.” (Fernandes, 2008, p.61).
A quarta geração da avaliação  -
        A avaliação como uma interacção social complexa
Depois de organizar a avaliação em três gerações, Guba e Lincoln (1989) apresentam uma quarta geração que, para além da ruptura epistemológica com as anteriores, propõem-se ultrapassar as dificuldades por elas constatadas.
Alguns autores designaram por avaliação alternativa, esta quarta geração, por se revelar “mais humanizada, mais situada nos contextos vividos por professores e alunos, mais centrada na regulação e melhoria das aprendizagens, mais participada, mais transparente e integrada nos processos de ensino e aprendizagem. Ou seja, uma avaliação que é eminentemente formativa nas suas formas e nos seus conteúdos.
Mas independentemente da designação aplicada, esta quarta geração apresenta um conjunto de variantes, cada uma delas constituindo uma forma de avaliação formativa, mais preocupadas  com a melhoria das aprendizagens do que com a sua classificação, devidamente contextualizadas e com os alunos a desempenhar um papel relevante.
Fernandes (2008) fala na avaliação formativa alternativa que apresenta como “uma construção social complexa, um processo eminentemente pedagógico, plenamente integrado no ensino e na aprendizagem, deliberado, interactivo, cuja principal função é a de regular e de melhorar as aprendizagens dos alunos. Ou seja, é a de conseguir que os alunos aprendam melhor, com compreensão, utilizando e desenvolvendo as suas competências” (p. 65). Neste modelo, alunos e professores têm um papel próprio a desempenhar.


A avaliação como um acto de comunicação (adaptado de Barlow, 1992)










Re: Debate Actividade 1
por Isaque Tomé - Quinta, 31 Março 2011, 01:24 
Caros colegas
Não concordo com parte do que têm dito.
Parece que tenho outras vivências.

Parece-me que hoje há a prática de uma avaliação que cumpre as 4 orientações consensualizadas: criterial, formativa, formadora e sumativa.
O problema é querer por isto a funcionar sem preparação técnica pedagógica e numa ânsia (talvez por ignorância ou por pressão dos pares) de perfeccionismo que esgotam os professores, as escolas e são contraproducentes em termos de aprendizagem e de justiça. De momento levanto só o problema da justiça.

Parece consensual que a avaliação evoluiu e dando conta de realidades distintas e funcionando, hoje, como apoio à dinâmica pedagógica e à dinâmica didáctica das salas de aula e até à gestão da escola. A avaliação assumiu um papel central no desenvolvimento curricular, pois é ela que marca o ritmo e a tónica dos processos cognitivos e de aprendizagem.

Contudo, parece-me haver um desadequado uso da perspectiva FORMATIVA e sobretudo da perspectiva FORMADORA da avaliação.
- Na avaliação formativa, numa escola em que a avaliação não tem efeitos práticos sobre as progressões dos alunos é introduzir um elemento de INJUSTIÇA e negar o DIREITO dos alunos à aprendizagem do que é a justiça. Ou seja, grande parte dos alunos nega (está-se borrifando)o processo avaliativo e escolar porque isso não é percepcionado como tendo efeito sobre as suas vidas (e muito menos sobre as suas cabeças), logo o carácter formativo perde-se.
- Na avaliação formadora, por que pensa o aluno como tendo destreza metacognitiva para se avaliar a si próprio, numa perspectiva bondosa e optimista - o que só benéfica aos bons alunos, aos cognitivamente evoluídos, deixando para trás os que já têm dificuldades. Ou seja, a avaliação formadora, sobretudo praticada sem rigor técnico e pedagógico, já de si só possível numa determinada concepção de ensino, tende a valorizar os que já de si são valorizados. os outros precisam de evoluir e isso faz-se com ritmos mais comportamentalistas e menos construtivistas.


Discordo em absoluto da opinião formulada pelo colega Isaque, a qual está em contradição com a bibliografia consultada. Penso que algumas das concepções que apresenta sobre avaliação formativa podem enquadrar-se nas dificuldades identificadas por vários autores na implementação de uma avaliação verdadeiramente formativa:
§ resistência à mudança, mesmo quando as evidências e a experiência demonstram benefícios (ARG, 2008);
§ falta de tempo – a alteração de práticas requer tempo para os alunos e para os professores (Gipps & Stobart, 2003);
§ hábitos dos próprios alunos – muitas vezes são os próprios alunos que poderão dificultar a introdução de novas rotinas se estes estiveram habituados a práticas de ensino e de aprendizagem, bem como de avaliação, mais tradicionais (Black & Wiliam, 1998; Shepard, 2000);
§ barreiras psicológicas e sociais, quer de alguns especialistas, quer de alguns professores (Dwyer, 1998);
§ formação dos professores – muitos professores não possuem formação adequada nesta área, precisando de ajuda para utilizar a avaliação de uma nova forma, integrada no processo de ensino e de aprendizagem (Shepard, 2000).
Fullan & Hargreaves (2001) referem outros problemas que dificultam a acção do professor na sala de aula, como: a sobrecarga de trabalho, o isolamento, o pensamento de grupo, a competência não aproveitada (e a negligência da incompetência), as limitações do papel do seu papel (e o problema da liderança), e as soluções pobres e reformas falhadas.

Apoiar as inovações individuais de alguns professores e influenciar os pares com essas práticas eficazes poderá ser um dos caminhos possível. Fullan & Hargreaves (2001, p.11) referem que “as soluções requeridas implicam uma abordagem de natureza, simultaneamente, colectiva e individual”, colectiva, porque é necessário que se utilize a colegialidade, para aproveitar e disseminar os bons exemplos que existem nas escolas; e individual, porque é preciso que se proteja e promova o indivíduo, a sua criatividade, a sua diferença, e o seu desenvolvimento profissional. Se se pretende que o processo de ensino-aprendizagem-avaliação seja eficaz, as escolas também terão de o ser.

DWYER, Carol (1998). Assessment and classroom learning: Theory and practice. Assessment in Education: Principles, Policy & Practice, 5, 1, pp. 131-137
GIPPS, Caroline & STOBART, Gordon (2003). Alternative assessment. In T. Kellaghan & D. Stufflebeam (Eds.), International Handbook of Educational Evaluation. Dordrecht: Kluwer, pp. 549-576.
BLACK, P. & WILIAM, D. (1998). Assessment and classroom learning. Assessment in Education: Principles, Policy & Practice, 5, 1, pp. 7-74.
Fernandes, D. (2006). Para uma teoria da avaliação formativa. Revista Portuguesa de Educação, 2006, 19(2), pp. 21-50
Fernandes, D. (2009). Avaliação das aprendizagens em Portugal. Investigação e teoria da actividade. Sísifo. Revista de Ciências da Educação, 9, pp. 87-100. (Consultado em Maio de 2011 em http://sisifo.fpce.ul.pt).
Fullan, M. & Hargreaves, A. (2001) Por que é que vale a pena lutar? O trabalho de equipa na
escola. Porto: Porto Editora
SHEPARD, Lorrie (2000). The role of assessment in a learning culture. Educational Researcher, 29, 7, pp. 4-14.







 Re: Debate Actividade 1
por Isabel Vieira - Quinta, 31 Março 2011, 15:58
Cara professora, caros colegas
Tal como referiu a Isabel Abelheira, continua a verificar-se um enorme desfasamento entre a evolução das concepções teóricas sobre avaliação e as práticas que encontramos nas nossas escolas.
O facto de a legislação e a própria pressão dos vários organismos do poder central apontarem paraum caminho diferente, as práticas ainda não estão de acordo com o rumo traçado e, uma das grandes causas de tal desfasamento, é sem dúvida a ausência quase total de formação contínua docente (e em grande número de casos na própria formação inicial).
Se, por um lado, a gestão do currículo tem sofrido inovações consideráveis e já se consegue enquadrar a prática lectiva em moldes muito distintos do que se fazia há 30 anos atrás, considero que relativamente à avaliação das aprendizagens dos alunos o caminho a percorrer é bem mais longo e íngreme.
É óbvio que tem ocorrido alguma evolução mas ainda estamos muito longe das mais recentes concepções teóricas e este atraso não é assim tão pontual, nem com algumas escolas, nem com alguns professores.
Só há uma maneira de progredir neste caminho difícil - caminhando.
Isabel Vieira


As estratégias de mudança das práticas de avaliação, por si só não serão eficazes se não fizerem parte de uma mudança das práticas de ensino na sala de aula e das expectativas e crenças que os professores possuem relativamente ao ensino e à forma de ensinar, bem como às crenças que possuem sobre as capacidades de aprendizagem dos alunos (Black & Wiliam, 1998), ao que Shepard (2000) designa de cultura de aprendizagem.
Para além de outros aspectos, é necessário desenvolver:
§  A avaliação como um processo. A avaliação formativa em vez de ser utilizada como um instrumento deverá ser encarada como um processo que ocorre durante o ensino e a aprendizagem, e que pode e deve ser reajustado de forma interactiva e continuada;
§  Uma avaliação que represente o que se faz na sala de aula. A forma e o conteúdo da avaliação da sala de aula devem ser alterados para que esta represente o que se passa na sala de aula sobre o trabalho, as actividades e as tarefas que são propostas aos alunos. A avaliação deve estar em consonância com o tipo de aprendizagens que os alunos experienciam. Algumas formas são a observação, as questões orais, as tarefas relevantes, os projectos, as demonstrações, as colecções do trabalho dos alunos, e a auto-avaliação dos alunos;
§  Uma avaliação contínua e dinâmica. Para que a avaliação seja útil ela deve estar no centro do processo de ensino e de aprendizagem, e não no fim. Sendo contínua, formativa e dinâmica a avaliação permite descobrir o que um aluno é capaz de fazer autonomamente;
§  O conhecimento prévio dos alunos. O conhecimento que os alunos possuem nem sempre é tido em conta no processo de ensino e de aprendizagem, e nem é integrado, verdadeiramente, no processo de avaliação;
§   Feedback. Fornecer feedback ao aluno sobre o seu desempenho conduz a uma auto-regulação e a uma melhoria desse desempenho. O feedback é um aspecto fundamental na avaliação formativa que visa favorecer a aprendizagem). Através de feedback descritivo são emitidos juízos acerca do valor ou do mérito, com referência implícita ou explícita a normas, devendo este, preferencialmente, ser realizado com o aluno. O feedback pode ser fornecido oralmente ou por escrito, e pode ser fornecido pelo professor, um outro adulto, ou até mesmo por um par. O essencial é salientar o que o aluno pode fazer na construção da sua aprendizagem e evitar a comparação com outros alunos;
§  Transferência. Há uma relação estreita entre a compreensão profunda de um conceito e a capacidade de o utilizar em novas situações. A compreensão de um conceito caracteriza-se pela flexibilidade, conexão e generalização. A avaliação deverá permitir a utilização de aprendizagens complexas e conceitos em contextos diversos e de diferentes formas;
§  Critérios explícitos. Os alunos devem conhecer e compreender os critérios pelos quais o seu trabalho é avaliado. Desta forma, poderão avaliar o seu próprio trabalho, tal como o faz o professor, e mais importante ainda, podem melhorar o seu desempenho;
§  Auto-avaliação. A auto-avaliação serve propósitos cognitivos e responsabiliza os alunos pela sua própria aprendizagem, tornando a relação professor-aluno mais colaborativa;
§  Avaliação do ensino. A avaliação das aprendizagens, para além de permitir monitorizar e promover a aprendizagem individual dos alunos, deverá também ser utilizada para conhecer e melhorar as práticas de ensino. Poderá incluir avaliações informais – acerca da compreensão dos alunos, para (re)ajustar os planos de aula e o ensino - e formais – como estudos críticos de investigação-acção;
§  Desenvolvimento de uma aprendizagem profissional. Os professores necessitam de exemplos práticos de outros professores sobre como implementar mudanças nas suas salas de aula, e necessitam de reflectir sobre as crenças que possuem acerca da avaliação, explicitando qual o uso que fazem da informação recolhida para que consigam planear a avaliação; observar a aprendizagem; analisar e interpretar as evidências da aprendizagem; fornecer feedback aos alunos; e ajudar os alunos na sua auto-avaliação.

As mudanças, nesta área, como em todas as outras, não são fáceis, lineares, nem rápidas. É preciso, além de tempo, e de outras condições, envolver os principais intervenientes, e levá-los a experimentar, para que se apropriem, não só teoricamente como na prática, dos benefícios que alunos, professores, e escolas podem e devem usufruir.

BLACK, P. & WILIAM, D. (1998). Assessment and classroom learning. Assessment in Education: Principles, Policy & Practice, 5, 1, pp. 7-74.
Fernandes, D. (2006). Para uma teoria da avaliação formativa. Revista Portuguesa de Educação, 2006, 19(2), pp. 21-50
Fernandes, D. (2009). Avaliação das aprendizagens em Portugal. Investigação e teoria da actividade. Sísifo. Revista de Ciências da Educação, 9, pp. 87-100. (Consultado em Maio de 2011 em http://sisifo.fpce.ul.pt).
SHEPARD, Lorrie (2000). The role of assessment in a learning culture. Educational Researcher, 29, 7, pp. 4-14.