Re: O debate por Elisabete Esteves - Segunda, 25 Abril 2011, 16:51 | (cont.) Todas estas situações ocorreram, é facto, em contextos passados, mas a realidade do ensino nas escolas públicas ainda passa muito pelo entendimento da avaliação como da exclusiva responsabilidade e competência do professor, remetendo para o aluno a responsabilidade pelo fracasso na aquisição e reprodução de conhecimentos. Em muitas escolas, os professores ainda justificam elevadas percentagens de negativas com argumentos tais como: falta de hábitos e métodos de estudo, falta de atenção e de concentração, interesses divergentes dos escolares, de entre outros. Este posicionamento dos docentes face à avaliação ainda prevalece; no entanto, também há já sinais de que esta realidade está a mudar. Para além do currículo da formação inicial de professores e das alterações que trouxe a reforma curricular (impulsionada com a publicação do Currículo Nacional do Ensino Básico), os próprios programas das disciplinas nucleares do Ensino Básico apresentam já paradigmas em que a avaliação é entendida como parte integrante do processo de ensino, com função reguladora da aprendizagem e como elemento central de um sistema de relações sociais, cujos agentes dependem do contexto em que estão inseridos. É nesta perspectiva que Barlow (1992) entende a avaliação como um acto de comunicação situado no núcleo de um sistema de relações sociais. Desta forma, a avaliação permite regular processos de gestão curricular, de modo a obter uma maior eficácia do ensino, o que implica responder, em primeira instância, a exigências sociais de rentabilização de recursos e de certificação de uma continuidade cultural, através dos alunos em formação, das suas competências e aptidões, que constituem o garante da continuidade de uma organização sócio-cultural. É um processo que responsabiliza o profissional pelos resultados que obtém, sendo que os seus produtos são humanos, com auto-determinação, e, portanto, não programáveis, daí um dos aspectos aliciantes da profissão de docente. Um abraço, Elisabete Esteves |
Fernandes (2009) apresenta alguns dos principais resultados da investigação realizada em Portugal, nas últimas três décadas, em avaliação das aprendizagens, no âmbito de programas de mestrado e de doutoramento, e cujas principais conclusões, acerca das práticas de avaliação na sala de aula, se citam:
§ As práticas de avaliação formativa estão longe de fazer parte da vida pedagógica das escolas. A grande maioria dos professores reconhece a sua relevância e importância para ajudar os alunos a aprender, mas utiliza uma diversidade de argumentos que justificam a inconsistência entre as suas concepções e as suas práticas (e.g., falta de formação, necessidade de cumprir o programa);
§ A avaliação é fundamentalmente um assunto do professor. São poucas as investigações que mostram que existe partilha dos processos de avaliação com os alunos, pais, professores ou outros intervenientes;
§ A avaliação ainda é um processo pouco transparente. Os critérios de avaliação, de correcção e de classificação não são, em geral, explicitados nem clarificados com os alunos.
§ A avaliação tende a ser pouco rigorosa e pouco diversificada. Os testes prevalecem. Foi possível constatar a utilização de formas alternativas de recolha de informação num reduzido número de casos;
§ A avaliação como medida ou como forma de verificar se os objectivos foram ou não atingidos são as concepções predominantes. Avaliar para aprender ou para melhorar são concepções que apenas uma minoria de professores parece compreender e pôr em prática;
§ A avaliação das aprendizagens não ocorre de forma contínua e sistemática; a avaliação formativa é pouco frequente e mais baseada na intuição dos professores do que na recolha deliberada e propositada de informação;
§ As concepções e práticas de avaliação dos professores parecem estar fortemente dependentes da cultura avaliativa existente nas escolas e na sociedade; neste sentido, a formação inicial e contínua dos professores parece ter uma influência limitada;
§ O objecto de avaliação por excelência é o conhecimento das matérias curriculares avaliado através de testes e outros trabalhos escritos que constituem as estratégias privilegiadas de recolha de informação avaliativa;
§ As reformas educativas têm pouco impacto nas práticas dos professores e na sua consciência profissional. Os professores não possuem uma perspectiva crítica sobre os normativos da avaliação porque, em geral, não conhecem os seus princípios estruturantes. Talvez por essa razão considerem que os novos diplomas de avaliação vieram, acima de tudo, aumentar o trabalho burocrático (Fernandes, 2009, pp.89-90).
Fernandes, Domingos (2009). Avaliação das aprendizagens em Portugal. Investigação e teoria da actividade. Sísifo. Revista de Ciências da Educação, 9, pp. 87-100. (Consultado em Maio de 2011 em http://sisifo.fpce.ul.pt).
Re: O debate por Isabel Vieira - Segunda, 25 Abril 2011, 23:33 | Cara Professora, Caros Colegas Tal como muitos colegas já referiram, existe uma característica comum a vários dos relatos apresentados – a prevalência da avaliação como medida, característica de uma determinada época. Também é consensual que muito mudou, quer em relação aos processos do ensino e da aprendizagem, quer em relação à avaliação desses mesmos processos, funcionando a avaliação como instrumento de regulação de como se aprende e do que se aprende. Tem-se assistido a uma valorização da avaliação na sua vertente formativa, integrada no currículo e facilitadora da auto-regulação. Contudo, penso que ainda muito está por fazer no que respeita à melhoria das práticas avaliativas dos professores, mas também das suas práticas pedagógicas, que terá que passar, acima de tudo, pelo colocar do aluno no centro de todo o processo. Muito do trabalho a realizar passará pela formação dos professores – existem muitos professores no sistema que nunca tiveram formação pedagógica e que foram alterando as suas práticas (alguns), graças à auto-formação ou à formação entre pares. Obviamente que não é possível deixar ao livre arbítrio da boa vontade ou do bom senso como o percurso para alterar práticas enraizadas. Torna-se pois necessário apostar na formação contínua e desenvolver a supervisão pedagógica de forma a que se altere, de um modo generalizado, muitas das práticas avaliativas que ainda persistem em muitas salas de aula. Isabel Vieira |
O professor, quando adquire a sua habilitação profissional, está longe de ser considerado um profissional acabado e amadurecido, na medida em que os conhecimentos que adquiriu ao longo da sua formação inicial são insuficientes para o exercício das suas funções ao longo da carreira, reconhecendo, assim, a necessidade de crescimento e de aquisições diversas, assumindo ele próprio o comando do seu desenvolvimento (Ponte, 1994).
Hoje, preconiza-se o ensino como uma actividade de equipa em constante desenvolvimento, no seio escolar, assente na investigação, na produção de conhecimentos, remetendo “para tarefas complexas próprias de analistas simbólicos e
não para a execução de tarefas simples e repetitivas, obedecendo à execução de
procedimentos prescritos e monitorizados” Canário (2007, p.15).
Assim, o desenvolvimento profissional dos professores diz respeito às diversas experiências de aprendizagem (naturais, planeadas e conscientes) realizadas pelo benefício directo ou indirecto, contribuindo para melhorar o desempenho do professor dentro da sala de aula (Day, 2001), apropriando-se particularmente de uma atitude profissional que remete para uma prática de questionamento. É, também, o processo através do qual os docentes, sozinhos e em conjunto com os outros, revêem e valorizam o seu papel como agentes de mudança e como construtores críticos do conhecimento e das competências ao longo da sua vida como professores (Day, 2001).
Actualmente, em Portugal, as políticas educativas preconizam uma mudança educativa com a intencionalidade de alcançar determinados objectivos - sucesso escolar, prevenção do abandono escolar precoce e melhoramento da qualidade das aprendizagens – sustentada na qualidade do desempenho do professor.
É na escola que o professor “aprende a profissão de professor, na medida em que esse processo de aprendizagem se sobrepõe a um processo de socialização profissional” (Canário, 2007, p. 17), exigindo do professor um esforço permanente de aprendizagem e melhoria que se inscreve numa dinâmica de formação contínua que deverá ser entendida mais como um direito e menos como uma imposição.
Santos (2004) refere a emergência de uma nova visão da profissão docente, que “além de ampliar os níveis de participação e de decisões do profissional da educação, propõe que este deva orientar o seu trabalho por uma reflexão crítica sobre a sua prática” (p.1148). Com efeito, esta nova visão da profissão docente pressupõe, naturalmente, uma formação inicial e continuada centrada na qualificação do desempenho docente, exigindo uma postura profissional de constante actualização e construção do conhecimento (Roldão, 2007), ou seja, uma formação profissional que envolva o professor, que o capacite para a inovação e investigação no âmbito da actividade lectiva, apetrechando-o, assim, de atitudes críticas e actuantes importantes para o seu desenvolvimento e eficácia no ensino.
A eficácia dos professores é um pressuposto que a mudança educativa promove quando perspectiva o sucesso dos alunos e a melhoria da qualidade das aprendizagens, por admitir que os professores altamente eficazes podem ter um efeito enriquecedor no dia-a-dia dos alunos, bem como nas respectivas aspirações educativas e profissionais ao longo das suas vidas (Tucker e Stronge, 2007). Estes autores referem que, após anos de investigação sobre a qualidade docente, “os professores eficazes não só fazem com que os alunos se sintam bem com a escola e com a aprendizagem, como também fazem com que o seu trabalho origine um maior sucesso escolar” (Idem, p. 9). No âmbito das mesmas investigações também conseguiram identificar um conjunto de qualidades pessoais e profissionais do docente - o conhecimento dos conteúdos, o conhecimento pedagógico, a capacidade para utilizar uma panóplia de estratégias de ensino com perícia e competência e o entusiasmo pela disciplina – que se destacou como fundamental para a sua eficácia, concluindo que os professores fazem, de facto, a diferença no ensino (Idem).
As culturas colaborativas na escola
As escolas que apresentam culturas colaborativas fomentam atitudes de colaboração, que vão para além da reflexão pessoal e da dependência de peritos externos, “fazendo com que os professores aprendam uns com os outros, partilhando e desenvolvendo em conjunto as suas competências” (Hargreaves, 1998, p. 209), que identifiquem preocupações comuns e trabalhem em conjunto na solução de problemas, empenhando os docentes “num aperfeiçoamento contínuo, enquanto parte integrante das suas obrigações profissionais” (Ibidem).
Nas culturas colaborativas, as relações de trabalho em colaboração entre professores tendem a ser espontâneas, voluntárias, orientadas para o desenvolvimento, difundidas no tempo e no espaço, imprevisíveis (Hargreaves, 1998) “em que os professores usam o seu juízo discricionário para iniciar tarefas ou para responder selectivamente às exigências externas (Day, 2001, p. 130).
Deste modo, é importante salientar que, quando a colaboração é entendida como “um meio eficaz para o desenvolvimento do professor, ela vai ter impacto na qualidade das oportunidades de aprendizagem dos alunos e, assim, indirecta ou directamente, na sua motivação e desenvolvimento” (Idem, p. 131).
Contudo, a maior parte dos professores continua a ensinar a sós, por detrás de portas fechadas, sentindo-se mais protegidos profissionalmente em relação a interferências exteriores (Hargreaves, 1998). No entanto, este isolamento profissional acarreta problemas do foro do reconhecimento profissional, na medida em que estes professores são privados de elogios e de apoio, assim como de realizar e viver novas experiências que os enriquecem profissionalmente.
Neste contexto profissional é de salientar a importância da capacidade reflexiva do professor requerida na arte de ensinar, na medida em que o professor deve “ser capaz de transformar conteúdo científico e conteúdos pedagógico-didácticos numa acção transformativa, informada por saber agregador, face a uma situação de ensino – por apropriação mútua dos tipos de conhecimento envolvidos e não apenas por adição ou mera aplicação” (Roldão, 2007, p. 4).
Bibliografia
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FERNANDES, Domingos (2008). Avaliação das aprendizagens: desafios às teorias, práticas e políticas. Lisboa: Texto Editora.
HARGREAVES, Andy (1998). Os professores em tempos de mudança. O Trabalho e a
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equidade da Aprendizagem ao longo da Vida. Lisboa.
SANTOS, Lucíola Licinio (2004). Formação de professores na cultura do desempenho,
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